sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A FACA

Do paleolítico à idade dos metais, a faca acompanha a história da humanidade.

Aço... Damasco, Toledo, lança, espada, adaga e faca. Impérios, conquistas, invasões, vitórias, derrotas, domínios... assim o homem escreveu a própria história.
Na América... espanhóis e portugueses. A lança e as espadas definiram as fronteiras sul-americanas. A miscigenação racial e o meio plasmaram os tipos humanos.

O Pampa e a guerra, e o pastoreio. Gaúcho, tipo característico da América do Sul.
Peleia, faca, adaga, boleadeiras e mango.
Dificilmente definiríamos a história social do gaúcho, sem a complementação da faca. Na luta, no trabalho, nas lides domésticas, nas artes campeiras, na lenda, na superstição.
Da infância da terra à maturidade histórica, a faca é uma constante na vida do gaúcho primitivo, tirou as botas "garrão de potro" e nestas aprestilhou as velhas esporas "nazarenas" com rosetas pontiagudas que impulsionaram o cavalo.

Com a faca talhou o couro para retovar as três pedras das boleadeiras, indispensáveis outrora nas lides campeiras e temíveis na guerra. E atou a faca na ponta de uma taquara, quando os clarins reclamaram as lanças crioulas nas extremaduras da Pátria.
O gaúcho primitivo desprezou a arma de fogo e a nobreza da luta estava no ferro branco.
Com a faca o gaúcho agrediu e defendeu. Faca "voluntária" numa peleia... Faca que, debaixo dos pelegos, tranquiliza o sono.
Com a faca o gaúcho cortava a própria melena ou "aparava trança de china". Tosava de cola e crina e aparava os casos do pingo nas vésperas de carreira.
O guasca enamorado, com a faca apanhou a flor que ofereceu à sua amada. Beijando a cruz da adaga o guasca traído jurou vingança. E o "aço que canta" corcoveava na bainha bordada de flores.
Com a faca o gaúcho falquejou a canga para os bois puxarem as estradas do Rio Grande.

Carneadeira, chavasca, prateada, língua de chimango, ferro branco, choco, xerenga... seja qual for a denominação popular, a faca, o facão e a adaga estão incorporados à vida do homem sul-rio-grandense.
É tal a sua utilidade que no campo ou na cidade, o gaúcho que se preza tem sua faca à mão.
A faca sangra a rês. Coureia, longueia, carneia, prepara a costela para o assado e o couro pra o laço: corta o churrasco e apara os tentos. Enquanto o piá com sua faquinha prepara a forquilha para o bodoque, a velha, na cozinha corta o charque para o "arroz de carreteiro".

Em noites de São João, a gauchinha crava a faca no tronco da bananeira, para antecipar a sorte. Com a faca cortando a terra o campeiro "vira o casco", cruzando dois capinzinhos sobre a simpatia infalível.

Faca não se dá. Faca se vende mesmo de presente, pela moeda de menor valor. E o amigo paga para não perder a amizade.

É com a faca que o gaúcho corta o "amarelinho" para tragar as introspecções do cismarento cigarro de palha.
Com a faca o gaúcho pelejou em entreveros revolucionários, corpo a corpo; dançou na "faca maruja" e trabalhou, castrando o gado.
Com a faca o gaúcho falquejou a própria história do Rio Grande.
Da infância da terra à maturidade histórica, a faca prolongou o braço do gaúcho.

Do acalanto materno:
Dorme filhinho
Dorme meu amor
Que a faca que corta
Dá talho sem dor

Ao conselho paterno: "Cavalo de boa boca, mulher de bom gênio, faca de bom fio".

A faca, uma companheira inseparável do gaúcho!!!

Faca gaúcha e suas características gerais:
A necessidade do emprego da faca pelo gaúcho em diferentes atividades, aliada a fatores econômicos e sociais da sua própria formação, faz surgir no comércio rio-grandense variados tipos dessa peça.
No entanto, em traços gerais podemos dizer que a faca gaúcha, se caracteriza por ter uma lâmina de seção triangular: com um só gume, sendo a parte superior da lâmina conhecida por "lombo" ou "costas". Apresenta um comprimento em torno de 33 cm e uma largura ao redor de 3,5 cm tendo em algumas delas, na lâmina, além do "gavião" normal, orifícios, ranhuras, entalhes que se relacionam no trabalho do gaúcho, na sua faina campeira. Os cabos são chatos ou meio oitavados (estão presos ao "espigão").
Podem ser de madeira ou chifre. Ou ainda mais delicados, de metal, de prata e ouro, cujas bainhas apresentam desenhos e modernamente cenas ou motivos regionais.
A bainha de couro, metal, couro e metal ou ainda de chifre. A primeira é usada principalmente nas lides campeiras diárias; feitas de couro cru ou sola, muitas vezes bordada com finos tentos. Quando de prata ou níquel, pode ser lavrada, cinzelada ou bordada a ouro, com motivos diversos, acompanhando os desenhos do cabo da faca. Numa bainha destacamos a "ponteira e o bocal", reforços no início e no fim da mesma (às vezes, "anel" no meio): a "espera" ou "orelha" responsável por sua fixação na guaiaca. Ampliando a própria bainha, no meio rural, vamos encontra,r às vezes, a chaira, assentador da faca, constituído por uma peça de aço cilíndrica de comprimento médio de 30 cm munido de cabo, onde se assenta o fio da lâmina.

Maneiras de usar:
Variando de região para região, a faca pode ser usada na cintura, das seguintes maneiras:
a) à altura das cadeiras, em posição enviezada, com a parte correspondente ao fio, virada para cima, aproveitando o gaúcho comumente, para no cabo que se destaca, pendurar seu relho, através do fiel, (às vezes, as esporas também). Esse costume é habitual no campeiro fronteiriço.
b) do lado do corpo (geralmente do esquerdo) com o fio virado para baixo e o cabo inclinado para frente. Em ambas as posições a faca está segura à cinta ou guaiaca, pela bainha. Pode no entanto ficar esta segura a uma espécie de espera de couro, com alça independente por onde passa o cinto ou a guaica, ficando a faca pendurada, aparecendo junto à perna pelo lado externo. Da mesma forma de como é usado o facão de mato (não confundir com o punhal). Esta modalidade é encontradiça entre gaúchos dos "Campos de Cima da Serra". No período em que a moda fazia obrigatório o uso do colete a cava deste era lugar seguro para o gaúcho da cidade, calçar sua pequena faca. Desapareceram também os gaúchos atrevidaços de "faca na bota"...

Denominações folclóricas:
Xerenga ou ainda caxerengue — Faquinha pequena, velha. Julgamos derivar de caxiringuengue — faca velha; sem cabo; oriundo do indígena kiceringuengue; do kice — faca segundo Coruja, ou de quice mais renguenque, este do afro, segundo Spalding. Estas denominações também conhecidas em outros estados do Brasil.
Chavasca — Fronteirismo galponeiro. Possivelmente de chavascada. Existe também chavasco — tosco, grosseiro.
Choto — Faca pesada, feio.
Língua de ximango — O formato de lâmina — comprida e fina — lembra a língua do ximango, (Milvago e eluroecephalus) ave de rapina dos campos do Rio Grande do Sul.
Ferro branco — De arma branca.
Prateada — Devido ao cabo ou à bainha (ou ambos) serem de prata ou metal dessa cor.
Farinheira — de lâmina larga tornando-se própria para servir farinha no churrasco.
Carneadeira — Especificamente própria para tirar couro e evitar furos nos mesmos. Com a ponta volteada para cima. Extensivo a qualquer faca afiada.
Adaga — Do latim daga. Arma de defesa pessoal. Geralmente possui junto ao cabo uma guarda em forma de S. Tem um comprimento maior do que as facas normais; fio num dos lados de toda a lâmina ou, ainda, acrescido na extensão próxima da ponta do outro lado: ou dois gumes em toda a distância: um sulco de cada lado da lâmina, no sentido de seu comprimento. O "espigão não fica no prolongamento do lombo" como nas demais, mas sim no meio da lâmina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário